
Em "O Livro dos Espíritos" encontramos a resposta a esta pergunta: a oração é um ato sentimental, é uma ligação sentimental com Deus. Podemos, então, compreender que orar não é recitar palavras, mas emitir (sentir) sentimentos. Quem ora prestando atenção apenas nas palavras não está com "atenção plena" aos seus sentimentos e por isto podemos afirmar que não sabe orar.
A oração tem que vir de dentro de cada um. Ela é um sentimento que emana em direção a Deus.
Ao Pai, não a outros espíritos.
Sempre que nos elevamos em oração, dirigimo-nos a Deus, mesmo que nossos pensamentos estejam direcionados a outros espíritos. Isto ocorre porque só Ele sabe o que fazer com o que cada um sente durante a oração (dar a justa recompensa da oração). Desta forma, a primeira compreensão de hoje deve ser: a oração é ato sentimental.
Mas para que orar?
Em "O Livro dos Espíritos" também encontramos esta resposta: "A prece é um ato de adoração. Orar a Deus é pensar Nele; é aproximar-se Dele; é pôr-se em comunicação com Ele".
Mas, o que é para o espírito "sentir"?
Viver. A vida, ou seja, a animação, a intelectualização de um espírito é sentir sentimentos: sentir o amor com o sentido universal (a Deus e ao próximo) ou individualista (a si mesmo). A oração, portanto, é vida para o espírito, pois orando está vivendo a sua "existência espiritual": aproximando-se e pondo-se em comunicação com Deus.
Se tudo isto é verdade, por que, então, as orações contêm palavras? Por que até Cristo ensinou um "Pai Nosso" através de palavras?
Para que o ser humanizado saiba o que "sentir", que forma de "viver" espiritual aproxima o espírito mais de Deus. Desta forma, todo ser humano deve mais do que se preocupar com palavras ao orar, mas sua atenção plena deve estar voltada em colocar na prática aquilo que a oração "fala". Isso é orar. Orar não é rezar em um determinado momento pré-determinado (quando acorda ou quando dorme), não é dizer palavras bonitas em momentos específicos, mas é vivenciar no dia a dia os sentimentos que oração traz.
Para isto é preciso que cada um transforme a oração no "caminho da vida", na sua "forma de viver". Será sob este aspecto que estudaremos a "Oração da Paz, atribuída ao São Francisco", ou seja, transformando as palavras em sentimentos que deverão ser aplicados na vivência diária.
"Senhor, fazei-me um instrumento da vossa paz".
Neste primeiro verso descobrimos um ponto fundamental para a vida: viver para ser instrumento de Deus. É isto que Francisco de Assis nos leva a compreender desde o início. Quando pede para ser instrumento da paz de Deus ("vossa") ele demonstra que não quer agir por individualismo, a partir de nenhuma vontade própria (ser instrumento da paz dele).
Todo seu sentimento está voltado em servir ao Pai e por isto a única coisa que ele sente é o desejo de ser "instrumento" da paz de Deus.
A partir deste aspecto, para que possamos colocar a "Oração de São Francisco" como um guia para a vida, devemos compreender que, na visão do santo, há a necessidade de que cada um retire da sua existência tudo aquilo que "acha", "sabe", "conhece" (individualismos) da vida.
O sentimento que deve pautar a vida de cada ser humanizado é o desejo de ser simplesmente instrumento consciente de Deus.
Falo em instrumento consciente, pois inconscientemente todos já somos. A Oração da Paz de Francisco de Assis no primeiro verso, portanto, não pede a Deus que seja feita a sua vontade, mas que o Pai o utilize para participar das "ações do mundo" servindo de instrumento consciente da Sua obra. Neste pedido se reconhece a ação do sentimento básico para esta vida: Fé. Pedir a Deus para ser conscientemente instrumento do Pai e entender o mundo como ação de Deus (emanação divina) é o exercício da Fé: confiança total e entrega absoluta a Deus.
Exemplifiquemos:
Francisco apesar de gostar dos bichos não acusava quem os maltratasse. Socorria os "feridos", ajudava-os, mas nunca criticava quem agia como instrumento de Deus promovendo ações que "ferissem" os animais. Se ele assim fizesse estaria vivendo a sua vontade de que os bichos não fossem machucados. Vivendo com estes sentimentos teria que criticar e atacar aqueles que agissem provocando danos aos animais. Esta forma de proceder demonstraria a não compreensão da "ação de Deus" (Causa Primária de todas as coisas): tudo emana de Deus. Ele não podia condenar os agentes do carma dos bichos, pois desde o início da sua oração declara: "Senhor, fazei de mim um instrumento de SUA paz". Se atacasse quem foi o agente carmático do ferimento nos animal, Francisco estaria exercitando a não entrega, ou seja, a não concordância com a emanação divina.
No entanto, para isto não precisava abrir guerra (crítica, acusação) contra quem o machucou.
Agia em socorro e defesa dos animais, mas não reconhecia na ação um "mal" nem outro causador a não ser o próprio Pai. Isso é fazer a paz de Deus: amparar, auxiliar, ajudar quem está vivendo a sua ação carmática, mas sem críticas a ninguém como instrumento causador de "maldade", ou seja, compreendendo que ações provêm de Deus e não do homem e, por isto, é justa e necessária.
Esta também deve ser a forma como cada espírito ligado a um ser humano deve viver a sua encarnação. Se ele passa em uma esquina e lá se encontra "alguém" passando fome, deve ajudá-lo.
Pode servi-lo dando um prato de comida, levando-o para casa, dando banho, auxiliando-o a conseguir um emprego, ou seja, fazendo tudo que estiver ao seu alcance, mas jamais destruindo a paz de Deus (o que está acontecendo), criticando a sociedade, o presidente da república ou qualquer outra pessoa de ser o "culpado da situação daquele ser humano". Isto é servir de instrumento a Deus para levar a paz.
Levar a felicidade a quem "sofre" (passa por uma ação carmática que o desgosta) sem que para isto seja necessário guerrear contra os outros que levam, aparentemente, "vantagem" sobre a situação daquele que está "sofrendo". Nesta primeira frase da oração, portanto, entendemos que o sentimento básico para se ter todas as outras coisas é a Fé e que, a partir do momento que haja esta entrega com confiança a Deus, o ser humano simplesmente age para ajudar ao próximo sem colocar nenhum dos seus individualismos em ação. Sem colocar nenhum acento a mais no que Deus escreveu, sem colocar uma letra para dizer o que acha individualmente da situação.
Agindo dessa forma o espírito ligado ao ser humano estará levando a paz de Deus àqueles que precisam da paz, ou seja, todos: tanto os que estão na situação chamada de "sofredora" quanto àqueles que a humanidade acusa como "causador da situação".
Todos precisam da paz de Deus, ou seja, da compreensão da emanação divina.
"Onde houver ódio que eu leve o amor".
O que é ódio?
É o individualismo insatisfeito. Quando o ser humanizado não consegue o que "quer", quando não gosta do que é "feito", cria, primeiramente, a mágoa e a frustração. Elas se transformarão em raiva que levará ao ódio. Se o ódio nasce da contrariedade, o amor, aquilo que Francisco pede para ser instrumento, então, é a "satisfação com as coisas da vida" ou a felicidade sob quaisquer circunstâncias.
São Francisco, portanto, pede a Deus que, onde houver seres humanizados que tenham seus individualismos feridos (ódio) que ele leve o amor.
Mas não um amor qualquer, mas aquele que reflita a vontade de Deus (amor universal). Este é o desejo expresso neste verso, esta é "forma de viver" que Francisco quer para ele: que na sua vivência dos acontecimentos seja instrumento para levar a quem tem o individualismo ferido o amor a Deus que leva o ser humano a viver em estado de graça (felicidade incondicional).
Como levar a quem está passando por uma situação de "sofrimento" a felicidade? Ensinando-o a compreender a vida a partir da realidade espiritual, a compreender o universo, ou seja, a compreender o que chamamos de "lei do carma". O individualismo é o "querer para si", mas se um espírito ligado a um ser humano não precisa nem merece de um determinado acontecimento, Deus não lhe dará o fruto do seu desejo simplesmente porque ele "quer", para "satisfazê-lo". O Pai só dará a cada um aquilo que ele merecer. Portanto, para se receber algo do Pai é preciso que se faça por onde merecer: não basta apenas "querer".
O que gera o merecimento para o espírito é, no momento onde é contrariado, amar a situação, ou seja, ser feliz incondicionalmente.
Esta forma de proceder é ser um São Francisco, é agir como ele. Não é só passar a "mão na cabeça" de quem está "sofrendo" dizendo "coitadinho de você" ou simplesmente dar o prato de comida e virar as costas. É preciso, para se auxiliar o próximo, dar a vara e ensiná-lo a pescar e não apenas ficar alimentando-o com o peixe, que é um alimento fugaz e não nutre a alma.
É amar